Hoje em dia, a alimentação e a nutrição são um saber comum e todos nós nos desafiamos a falar sobre estes temas no dia-a-dia. Como nutricionista tenho o dever de alertar que nem tudo o que lemos é correcto, e apenas nos devemos guiar pela informação proveniente de fontes com base científica.
Antes de tentar responder à pergunta que coloco como título deste artigo, quero esclarecer alguns conceitos, que talvez não estejam assim tão claros como imaginam.
Afinal de contas, todos falamos de calorias, muitos de nós olhamos para os rótulos dos alimentos e identificamos a linha fatal, o valor mais temido: a Energia (kcal), mas será que são apenas as calorias que nos devem preocupar? Aliás, saberemos o que é realmente a caloria? A palavra caloria é originária do latim do termo “calor”, sendo simplesmente considerada uma unidade de calor ou uma unidade de energia. Em termos históricos a caloria foi definida como a quantidade de energia necessária para elevar em 1 grau celsius a temperatura de 1 grama de água.
Podemos falar em vários nomes da História, sem os quais, não se saberia o que hoje se sabe sobre nutrição; entre eles estão Hipócrates, que destacou o papel da alimentação na saúde, Lavoisier, que foi quem nos deu a conhecer os aparelhos que medem a quantidade de calor envolvida numa reacção química (os calorímetros), e ainda, Marx Rubner e Atwater que nos trouxeram respostas sobre o valor calórico dos alimentos. Hoje em dia usam-se os factores de conversão de Atwater para saber a quantas calorias equivale uma determinada quantidade de proteínas, hidratos de carbono e gordura e é a partir daí que nós calculamos a energia que consumimos:
Com isto percebe-se que apesar de o número de calorias que se obtém a partir 10 g de proteína ou 10 g de hidratos de carbono ser a mesma, o que é efectivamente digerido e armazenado no nosso organismo vai ser diferente. No caso de 100 g de proteína (400 kcal), vamos ter 280 kcal disponíveis e no caso de 100 g de hidratos de carbono (400 kcal) vamos ter 360 kcal. Ainda, 400 kcal de gordura (aproximadamente 44 g) vão resultar em 388 kcal disponíveis. Por esta razão é que a composição das nossas refeições e dos nossos alimentos é tão importante, e não podemos olhar apenas para as calorias. Podemos, sim, optar por olhar mais para o tipo de alimentos que escolhemos e sobretudo para a quantidade destes mesmos alimentos. Ou seja, quando queremos perder peso não nos basta ingerir alimentos com um perfil de nutrientes saudável mas para além disso temos que garantir que a quantidade de energia que ingerimos não é maior do que o suposto, porque se ingerirmos mais (e não a gastarmos) o balanço energético não vai ser equilibrado, noutras palavras, vamos adquirir mais peso.
- Gorduras, Hidratos de Carbono, ou Proteínas?
- Todos, em equilíbrio!
Além destas duas considerações temos ainda que nos lembrar que a nossa dieta deve ser equilibrada. Estes três nutrientes existem e devem ser consumidos de forma balanceada; as recomendações são de que um indivíduo adulto saudável deva ingerir cerca de 55-75% da energia total/dia em hidratos de carbono, 15-35% em gordura e quanto às proteínas as recomendações são de 0,66 g/kg de peso por dia (2–4).
Assim, para percebermos a que equivalem estas percentagens, e considerando um plano alimentar com uma energia total para 1 dia de 2000 kcal para um adulto de 70 kg, a distribuição em macronutrientes poderá (pois a distribuição de cada nutriente deve sempre ser aconselhado pelo nutricionista que tem em conta a individualidade da pessoa em questão) ser a seguinte: 325 g de hidratos de carbono (65%), 46 g de proteína e 56 g de gordura. Estas recomendações mostram-nos que não é sensato seguir dietas que são muito pobres num dos macronutrientes, pois inevitavelmente vão obrigar a uma ingestão maior de outros nutrientes, tornando-as desequilibradas. De uma forma geral, todas as dietas que vamos ouvindo falar resultam a curto prazo na perda de peso, isto porque, de um modo geral, há sempre uma redução da energia e como foi dito acima, no final das contas se o valor de energia ingerido for menor que o gasto o peso vai diminuir. Mas isto não implica que estas dietas sejam, na sua essência, equilibradas e saudáveis, em termos nutricionais. Muitas não são. Todos os nutrientes têm funções importantes. A principal função associada aos hidratos de carbono é o fornecimento de energia, sendo a glicose a principal fonte de energia do cérebro, medula, rins e eritrócitos. A glicose é sem dúvida o nosso principal combustível. As gorduras assumem a função principal de reserva e estrutural no nosso organismo. Já a proteína assume um papel importante na reparação e manutenção, bem como na formação de anticorpos. Em suma, todos devem ser considerados e nenhum deles desprezados da nossa dieta diária.
Uma das razões porque que o mesmo plano alimentar tem um impacto diferente em duas pessoas.
É ainda importante ter em conta que o mesmo alimento vai ter um efeito diferente consoante a pessoa que o consome, daí nem todos termos os mesmos resultados quando seguimos padrões alimentares semelhantes. Isto deve-se à nossa individualidade, ao nosso metabolismo, e em grande parte à nossa flora microbiana, por outras palavras às bactérias que habitam o nosso intestino. Estas bactérias não são sempre as mesmas nem estão presentes nas mesmas quantidades, está estudado que há mesmo uma variação da microflora provocada por diferentes razões. A microflora consegue adaptar-se e pode ser alterada se consumirmos alguns alimentos que têm vindo a demonstrar potenciais benefícios nesta modulação, nesta alteração do nosso ecossistema intestinal(5).
E afinal… “São as calorias que nos movem?”
Postas todas estas considerações, estamos agora em posição de responder à questão que coloquei no título deste artigo: Sim, as calorias são de facto importantes pois são determinantes na variação de peso corporal, no entanto a qualidade dos nutrientes que a constituem é imprescindível; importa SIM ter em atenção o número de calorias dos alimentos que consumimos (lembrando que o que efetivamente digerimos e armazenados não é exactamente coincidente com o que nos dizem os rótulos), mas NÃO devemos olhar para os alimentos como se de calorias apenas se tratassem, porque o alimento é uma matriz muito complexa e reduzir a análise apenas a energia é muito limitador e pode levar a falsas interpretações.
E aqui sim há muita matéria científica que nos diz que o maior consumo de frutas, hortícolas, cereais integrais (mais ricos em fibra), menor consumo de produtos de origem animal traz efectivamente benefícios à saúde. Para terminar, aconselho à leitura de um artigo muito interessante sobre este tema, o qual também me inspirou na escrita que hoje partilho convosco. Podem consultá-lo
aqui.
MENSAGENS A RETER
- Os macronutrientes fornecem diferentes quantidades de energia;
- Os macronutrientes (proteína, hidratos de carbono e gordura) têm um efeito térmico diferente entre eles;
- O efeito térmico dos alimentos é a energia que o organismo gasta a digerir e a armazenar o que comemos;
- A composição das nossas refeições, isto é os diferentes alimentos que consumidos e a forma como os consumimos, é extremamente importante;
- As recomendações de ingestão para um adulto saudável de cada macronutriente são as seguintes: 55-75% da energia total/dia em hidratos de carbono, 15-35% em gordura e de 0,66 g de proteína/kg de peso por dia;
- Todos os nutrientes têm funções importantes e insubstituíveis;
- A nossa individualidade, o nosso metabolismo, e a nossa flora microbiana influenciam o impacto que os alimentos têm em cada um de nós;
- Importa SIM ter em atenção o número de calorias dos alimentos que consumimos, mas NÃO devemos olhar para os alimentos como se de calorias apenas se tratassem, porque o alimento é uma matriz muito complexa e reduzir a análise apenas a energia é muito limitador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Mahan, L. K. & Escott-Stump, S. Krause’s Food & Nutrition Therapy. (Saunders Elsevier, 2008).
2. Food and Agricutural Organization. Human energy requirements: Report of a Joint FAO/WHO/UNU Expert Consultation. FAO Food Nutr. Tech. Rep. Ser. 0, 96 (2001).
3. WHO/FAO/UNU Expert Consultation. Protein and amino acid requirements in human nutrition. World Health Organ. Tech. Rep. Ser. 1–265 (2007). doi:ISBN 92 4 120935 6
4. World Health Organization & Uauy, R. E. A. Fats and fatty acids in human nutrition, Report of an expert consultation. FAO, Food and Nutrition Paper 91, (2008).
5. Umu, O. C. O., Rudi, K. & Diep, D. B. Modulation of the gut microbiota by prebiotic fibres and bacteriocins. Microb. Ecol. Health Dis. 28, 1 (2017).